sábado, 7 de fevereiro de 2009

Faz sentido sofrer?

A Palavra de Deus deste Domingo coloca-nos implacavelmente frente ao sofrimento humano. Perante o sofrimento não há indiferença. Aliás, Jesus nem indiferente ficou diante duma (simples) febre, tal como testemunha o evangelho deste quinto Domingo Comum.
Job é no Antigo Testamento a figura que atrai o nosso olhar quando abordamos este tema. Quantas vezes, como Job, poderíamos nós dizer desde o nosso sofrimento: «A noite torna-se comprida, farto-me de dar voltas até que amanheça»?
Como qualquer humano também nós, cristãos, ansiamos por resolver a vida, isto é, tomá-la nas mãos, orientá-la, tirar dela o melhor proveito, ser feliz. Não há quem o não queira, sejamos ou não bafejados pelo dom da fé. Porém, quantas vezes, como Job, não concluímos que tudo é fugaz e não existe esperança em ser-se feliz?
Job é uma figura do Antigo Testamento ficcionada pelo autor sagrado, cuja vida tudo tinha para ser feliz. Nada lhe faltava. Porém, sobreveio-lhe a pena e o sofrimento, a derrota e a humilhação. Era um homem exemplar em sua vida, mas foi tocado por sofrimento inexplicável.
(Vale a pena ler este precioso texto sobre o sofrimento, e até apreciar o recorte literário de sabor oriental em que foi escrito!)
O Livro de Job, narrando a história desta personagem foi escrito para tentar responder à pergunta: existe um sentido para o sofrimento?
O sofrimento humano é um mistério. Por essa razão suscita perplexidade, compaixão, respeito. É uma realidade tão extrema, tão distante e tão íntima, que nos assusta terrificamente.
Recordemos Job: foi um sofredor inocente. Mas ainda assim, sofredor. Ele sabia que só fizera o bem, mas sofreu horrivelmente. No fim do seu sofrimento, Deus repreende os seus amigos por o terem reputado de mau; e o próprio Deus reconhece que ele é inocente. Logo, cabe a pergunta: porque existe o sofrimento? E outra pior: porque sofrem os bons e os inocentes?
Ainda que muito me custe afirmar, creio que o sofrimento pode ser um castigo: o papel de pai contém essa tarefa; e situações há em que o amor deita mão desta pedagogia. Porém, ainda assim o sofrimento nem sempre se entende, pois algumas vezes não pode ser entendido como como castigo.
Estou por isso certo que o enigma da dor é noutras muitas vezes a possibilidade de crescimento pessoal. Estou certo que o é, não estou certo que assim seja percebido e aceite. Olhado desde a fé, é-o certamente. No ensinamento de Jesus a proclamação das Bem-aventuranças dirige-se precisamente aos que são provados nos vários sofrimentos. É para eles, os sofredores, que está destinada a felicidade. Logo (algures) é possível ser-se feliz!
O sofrimento pode ser uma oportunidade. Obviamente, de crescimento.
Perante a iminência da própria dor Jesus orou insistentemente ao Pai para que a dor não o tocasse, não lhe ferisse o corpo e o espírito. Houve, porém, de passar pelo moinho de dor que foi a Cruz para vencer a morte que mata o corpo, lugar do sofrimento. Para vencer o sofrimento e a morte Cristo deu-lhes combate no território em que reinavam. E perdendo às suas mãos pela ressurreição venceu-as para sempre e ganhou-nos a nós na sua vitória.
Como compreender isto? Pela fé, unicamente pela fé e pela adesão confiante a Deus. Quem situa a sua vida apenas num horizonte sem abertura ao Criador fica prisioneiro nos limites do seu corpo dorido e apenas iluminado pelo escuro da dor. Porém, quem alumia a finitude confiante de que ela não é estanque mas aberta a Deus, esse (essa) sofre como todos sofrem, mas sofre iluminado pelo optimismo de que a sua dor é também assunto de Deus, em Quem pomos a nossa confiança porque tudo pode.
Os que têm fé também soçobram perante o sofrimento. E os que os rodeiam nem sempre podem ou sabem acompanhar a sua dor. Mas não há outro caminho. A melhor resposta à dor é a companhia e o sofrer com: a compaixão. Que grandes vitórias se podem alcançar numa simples visita à casa da dor!
Frequentar essa casa não significa que devamos amar a dor sem mais, e mesmo se a não podemos mitigar podemos ao menos mostrar amizade: o melhor remédio para um doente é ter um amigo. Quem está a sofrer está em inferioridade de condições, precisado de ajuda a fundo perdido (e nem sempre tem possibilidade de agradecer). Mas uma coisa pode fazer com sinceridade: oferecer a possibilidade de ser amado com verdade! Oferecer a oportunidade de amar e ser amado, e de também nós, os amigos, irmos preparando-nos para a escola em que tarde ou cedo nos inscreveremos como aprendizes ou atletas de longo curso.
Chama do Carmo I NS 17 I 8 Fevereiro 09

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns, Frei João!
Não é fácil reflectir sobre o sofrimento. Como diz, é uma realidade, à qual é impossível ser indiferente: é demasiado "grande" para que a possamos ignorar!
Como profissional de saúde (sou enfermeira, com uma forte ligação aos Cuidados Paliativos), a vivência do sofrimento faz parte integrante do meu quotidiano. É de tal forma real que por vezes julgo poder tocar-lhe... Como é verdadeira a afirmação que faz: "O sofrimento humano é um mistério. Por essa razão suscita perplexidade, compaixão, respeito. É uma realidade tão extrema, tão distante e tão íntima...". Eu julgo não ser capaz de afirmar que me assusta. Incomoda-me, é certo, mas não me causa repulsa, não me afasta daquele que sofre.(Vejo esta minha postura como dom de Deus. Não tem nunhum mérito da minha parte)
Entendo o sofrimento como um espaço único de aprendizagem. Como amadurecemos com a ajuda do sofrimento! Como ficam pequeninas as nossas sempre muitas preocupações do dia-a-dia! Meu Deus, como hierarquizamos erradamente as nossas prioridades! Perante a dor do que está ao nosso lado tudo é relativo!
Que grande escola é o caminho que nos ensina a compaixão! Uf! Como é difícil passar de ano nesta escola! Como são exigentes os critérios! Mas a alegria de conseguir fazer a experiência da compaixão é inexplicável!
Se pensou que gosto de sofrer, desengane-se! Não gosto, como por certo ninguém gostará. Mas, pela fé, entendo que o sofrimento pode converter-se em Graça e a nossa vida muito pode usufruir de uma vivência positiva e integrada do sofrimento.
Permita-me uma vez mais que integre neste meu pobre comentário, a parte final da sua reflexão: "Frequentar essa casa não significa que devamos amar a dor sem mais, e mesmo se a não podemos mitigar podemos ao menos mostrar amizade: o melhor remédio para um doente é ter um amigo. Quem está a sofrer está em inferioridade de condições, precisado de ajuda a fundo perdido (e nem sempre tem possibilidade de agradecer). Mas uma coisa pode fazer com sinceridade: oferecer a possibilidade de ser amado com verdade! Oferecer a oportunidade de amar e ser amado, e de também nós, os amigos, irmos preparando-nos para a escola em que tarde ou cedo nos inscreveremos como aprendizes ou atletas de longo curso.". Transcrevi, porque não seria capaz de o dizer melhor!
Uma vez mais, os meus PARABÉNS e obrigada pela reflexão!
Julieta Palma