terça-feira, 5 de outubro de 2010

Celebrar, celebrar o quê?

COMEMORAÇÕES DA REPÚBLICA
Vasco Pulido Valente no Público, 2010-10-02

A República foi feita pela chamada "geração de 90" (1890), a chamada "geração do Ultimatum", educada pelo "caso Dreyfus" e, depois, pela radicalização da República Francesa de Waldeck-Rousseau, de Combes e do "Bloc des Gauches" (que, de resto, só acabou em 1909). Estes beneméritos (Afonso Costa, António José d"Almeida, França Borges e outros companheiros de caminho) escolheram deliberadamente a violência para liquidar a Monarquia. O Mundo, órgão oficioso do jacobinismo indígena, explicava: "Partidos como o republicano precisam de violência", porque sem violência e "uma perseguição acintosa e clamorosa" não se cria "o ambiente indispensável à conquista do poder". Na fase final (1903-1910), o republicanismo, no seu princípio e na sua natureza, não passou da violência, que a vitória do "5 de Outubro" generalizou a todo o país.
Não admira que a República nunca se tenha conseguido consolidar. De facto, nunca chegou a ser um regime. Era um "estado de coisas", regularmente interrompido por golpes militares, insurreições de massa e uma verdadeira guerra civil. Em pouco mais de 15 anos morreu muita gente: em combate, executada na praça pública pelo "povo" em fúria ou assassinada por quadrilhas partidárias, como em 1921 o primeiro-ministro António Granjo, pela quadrilha do "Dente de Ouro". O número de presos políticos, que raramente ficou por menos de um milhar, subiu em alguns momentos a mais de 3000. Como dizia Salazar, "simultânea ou sucessivamente" meio Portugal acabou por ir parar às democráticas cadeias da República, a maior parte das vezes sem saber porquê.

E , em 2010, a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam "carbonários", vigilantes de vário género e pêlo e a "formiga branca" do jacobinismo? Como é possível pedir a uma cultura política assente nos "direitos do homem e do cidadão" que preste homenagem oficial a uma cultura política que perseguia sem escrúpulos uma vasta e indeterminada multidão de "suspeitos" (anarquistas, anarco-sindicalistas, monárquicos, moderados e por aí fora)? Como é possível ao Estado da tolerância e da aceitação do "outro" mostrar agora o seu respeito por uma ideologia cuja essência era a erradicação do catolicismo? E, principalmente, como é possível ignorar que a Monarquia, apesar da sua decadência e da sua inoperância, fora um regime bem mais livre e legalista do que a grosseira cópia do pior radicalismo francês, que o "5 de Outubro" trouxe a Portugal?
(Adaptação do prefácio à 6.ª edição do meu livro O Poder e o Povo).

1 comentário:

Anónimo disse...

Não há nada perfeito. O pior é quando se tenta fazer perfeito, aquilo que não o é. Vasco Pulido Valente é um "não-alinhado" com os "yes-man" deste país. Diz aquilo que muitos sabem, mas não tem coragem, ou não querem dizer e isso tem-lhe valido criticas de vários quadrantes da sociedade nacional. A mesma sociedade que, em tempos de grave crise, gastou milhares nas comemorações do Centenário da República que, na realidade, não foi mais que um dos dois golpes de estado ocorridos no séc. XX em Portugal, este, na realidade bem violento, que teve o seu inicio mais ou menos disfarçado e premonitório com o Regicidio de 1908.
Talvez assim se compreenda porque a I República terminou em 1926, portanto, poucos anos depois da sua implantação e porque o negro Estado Novo durou tanto tempo... Agora estamos na III República se considerarmos que o Estado Novo foi a II. Há historiadores que não o consideram... E nesta III Republica tudo continua como dantes: imperfeito. Imperfeito mas em democracia, seja lá isso o que for neste país, e o problema é que ninguém sabe muito bem que forma de democracia é esta que alienou valores de soberania em troca de injecções de dinheiro que tornaram o país dependente e num beco sem saída como provam a situação ecomómica-financeira em que todos nos encontramos. No entanto, gastaram-se hoje milhares a comemorar o regicidio, a violência, a perseguição, afinal, muito daquilo que causou o segundo golpe de estado em Portugal porque, pelos vistos, as coisas não estavam bem... Paradoxos da mente humana ou conveniências de um determinado momento?
Parabéns pela oportuna publicação de uma análise oportuna em Centenário da República.