quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Rei ou réu?

Este é o último Domingo do Ano Cristão. E a semana é também a última. Logo depois iniciaremos um novo ano. Obviamente os ritmos e os símbolos mudarão, como uma roda que se renova, guiando-nos a vida e elevando-nos os olhos e o coração, o espírito e o corpo, para a vivência do mistério de Deus em nossa vida, em nossas famílias e comunidades.
Ao longo do ano que ora termina celebrámos o ciclo da vida do nosso Redentor. E este último Domingo é para Lhe rendermos glória e Lhe agradecermos a sua presença salvadora.
Quanto temos a louvar! Quanto temos a agradecer! O ano foi difícil, mas vencemos mais uma barreira. Deus estava por nós e vencemos. Porque Deus olhava por nós. Porque o seu olhar é amar.
Lemos no evangelho deste Domingo um excerto do capítulo 23 de São Lucas. Na festa triunfal de Jesus que é a Solenidade de Cristo Rei, lemos a narração da sua mais profunda humilhação.
Mais profunda, porque a sua arrepiante paixão e morte não se deseja nem ao mais insignificante dos humanos. Mais profunda, porque perpetrada ao mais puro e santos dos homens! Tão santo e tão puro que era Deus!
Recordamos, pois, neste Domingo, que é coroação do ano cristão, que Jesus foi proclamado rei, mas do alto da cruz. De facto Ele estava lá no alto como um rei. E como tal era reconhecido pelos que estavam ao nível dos seus pés, embora sentenciado como um bandido. Ele era santo, eles pecadores. Ele o salvador, eles os salvados. Ele era Deus e homem, eles homens e pecadores.
No trono em que O ergueram escreveram: «Este é o rei dos judeus». Estava dito. Era rei.
O que na liturgia hoje contemplamos é um rei. Sim, está despojado, humilhado, semi-morto, nu, escarrado. Mas está digno e divino, humano e divino, santo e divino. Uns riram-se porque o viram rei como de opereta; outros choraram porque acreditaram, e ainda que nu viam-n’O rei.
Não, não é uma questão do que se vê, mas do que se depõe e se acredita.
Eis, o rei!
Rei de reis. Se de reis, muito mais dos humildes e pobres que mais confiam!
Caramba! Despojado e nu, ultrajado e aviltado, mas rei. Sim, rei. Um rei que vê quem vê na fé, não quem só quer ver o que quer.
Passou mais um ano.
Nós que somos desse rei encerramos esta semana mais um ano de fé. Estamos no Seu reino, porque nele entramos livremente pelo Baptismo. Fomos baptizados para sermos testemunhas sem medo e anunciadores intrépidos desse reino, não de outros mais brilhantes, reluzentes e vistosos.
Somos do reino do rei de verdade, e os demais fantoches. Reinam sobre o que passa, e humilhação das humilhações, sabem-no bem, também eles vão passando cedendo passo a outros, mais fortes e mais jovens, que vão chegando-se à frente do palco.
O nosso rei reina na cruz exangue e nu, mas mais digno que aqueles que com todas as insígnias douradas postas esmagam e aviltam. Não há, porém, outro reinar, nem palavras de outro feitio no testemunho dos cristãos. Só a humildade e a verdade nas palavras e nos actos.
É também réu. Assim O olhamos hoje.
Como réu de lesa divindade O levaram diante do poderoso e cínico Pilatos, o fantoche-lava-mãos.
Pilatos, homem poderoso e impante, julgou Deus, abaixado, rebaixado e vilipendiado. E acobardou-–se: Aí vo-lo deixo, como um réu!; e como tal foi posicionado pelos decisores do tempo no lugar que competia ao mais infame dos réus: na cruz, entre ladrões e malfeitores.
Eis o rei. Sim, Ele é rei e senhor dum mundo que O rejeita. Eis o réu! Sim, Ele é réu e aí está no lugar que lhe corresponde. É réu, está visto. Por isso leva com insultos, escarros e bofetões. Os soldados saúdam-no com vinagre; a populaça com sangue nos olhos: Salvou os outros a horas indevidas, e agora que precisa não lhe restam forças para Si. Enfim, olhando-O não há lugar para delírios. Por isso vão para outros as palmas e gritinhos; para Ele zombarias de uns e escassas orações de outros, mais sinceras quanto maior é o transe da aflição do momento.
Jesus é réu, por isso é rei fora do baralho. E foi assim que atiraram com o rei que salva para fora da vida. Por isso não há jogo que se complete, porque falta o rei. E agora que O puseram fora quem há-de ser o pastor?
A carta deitada fora é o réu, o rei que veio julgar o mundo. Fazendo-se um de nós Ele veio solidário connosco, tomou posse da nossa vida e leva-a aos ombros. É rei porque servidor. É rei porque tem trono. É rei porque prestou o maior serviço ao doar-se todo. É rei de visita ao seu reino, sem séquito oneroso e sem palanques, mas caminhando pelos caminhos da humildade. Sem palácio Ele é rei dos corações que vivem sem aspirar ao sucesso a qualquer preço, sem desejo de revestir-se de honras e prebendas.
Ele é rei e serve.
É réu e foi exaltado. É rei mas não por cobiçar coroas, pois as distribui no Céu.
Chama do Carmo I NS 85 I Novembro 21, 2010

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