domingo, 5 de dezembro de 2010

Tenho tempo, Senhor



Saí, Senhor
Lá fora os homens saíram.
As bicicletas, os automóveis e os camiões corriam,
A rua corria, a cidade corria, todo o mundo corria.
Corriam todos, para não perder tempo:
Corriam a busca do tempo, para recuperar o tempo, para ganhar tempo.

Até logo, doutor, desculpe-me – não tenho tempo.
Passarei outra vez, não posso esperar mais – não tenho tempo.
Termino aqui esta carta – pois não tenho tempo.
Queria tanto ajudar-te – mas não tenho tempo.
Não posso aceitar, por falta de tempo.
Não posso reflectir, nem ler, ando assoberbado – não tenho tempo.
Gostaria de rezar – mas... não tenho tempo.

Compreendes, Senhor, eles não têm tempo.
A criança está a brincar, não tem tempo agora... mais tarde...
O estudante tem os seus deveres a fazer, não tem tempo... mais tarde...
O universitário tem as suas aulas e tanto,
tanto trabalho que não tem tempo...

Mais tarde...
O rapaz pratica desporto, não tem tempo... mais tarde...
O que casou, há pouco, tem a sua casa, deve organizá-la;
não tem tempo... mais tarde...

O pai de família tem os filhos, não tem tempo... mais tarde...
Os avós têm os netos, não têm tempo... mais tarde
Estão doentes. Precisam tratar-se...
não têm tempo... mais tarde...
Então à morte, não têm tempo... tarde de mais... já não têm tempo.
Assim correm todos os homens atrás do tempo, Senhor.
Passam correndo pela terra, apressados, atropelados,
sobrecarregados, enlouquecidos, assoberbados.

Nunca chegam, falta-lhes tempo,
apesar de todos os esforços, falta-lhes tempo,
Falta-lhes mesmo muito tempo.
Com certeza, Senhor, erraste os cálculos.

Há um engano geral:
Horas curtas demais, dias curtos demais, vidas curtas demais.
Tu que estás fora do tempo, Senhor,
sorris ao ver-nos assim brigar com ele, e sabes o que fazes.
Não te enganas quando distribuis o tempo aos homens,
A cada um dás o tempo de fazer o que queres que faça.
Mas é preciso não perder tempo, não esbanjar tempo,
não matar o tempo,
Pois o tempo é um presente que nos dás.
Presente perecível, um presente que não se conserva.

Tenho tempo, Senhor, tenho todo o meu tempo.

Todo o tempo que me dás, os anos da minha vida,
os dias dos meus anos, os minutos dos meus dias.
São todos meus,
Cabe-me preenchê-los tranquilamente, calmamente,
mas preenchê-los inteirinhos, até à borda,
Para os dar a Ti.

Que da água sem sabor, faças um vinho generoso,
como outrora em Canaã, fizeste para as bodas humanas.
Neste dia eu não Te peço, Senhor,
o tempo de fazer isto e depois aquilo,
Peço-te a graça de fazer, conscientemente, no tempo que
me dás nestes dois dias que nos congregamos aqui,
o que queres que eu faça.

(in Poemas para Rezar, Michel Quoist)

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