sábado, 15 de janeiro de 2011

Um Menino pequenino, pequenino, pequenino

De devoções está o mundo cheio, isto é da lembrança mais comum. E nem todas são santas. De devoções bobas, livre-nos Deus, é ainda uma sábia expressão de Santa Teresa.
A devoção à Santa Infância de Jesus é um das ternuras da nossa Ordem. Na clausura dos Carmelos e nas nossas Igrejas do Carmo é frequente haver meninos, muitas imagens do Menino Jesus.
Que nos lembram o filho de Maria, menino que foi como nós.
Apagadas as luzes e as velas do Natal ficam sininhos tinindo e remoendo suave nossos ouvidos. Salvo raríssimas excepções de alguns mais azedos, já quase apetece seja Natal outra vez. O frio de Dezembro puxa-nos para dentro, para o aconchego das histórias, para o brilho das fitinhas e das surpresas, para junto da segurança dos cabelos brancos.
É por isso que tanto amamos o Natal.
Não teve essa sorte a Páscoa.
Não tem a alegria dum nascimento, mas a crueza duma morte. Não tem anjos cantando, mas ausência deles a deixar morrer o Senhor da Glória. Não tem ternura, mas violência. Não tem aconchego, mas separação, traição e fuga dos amigos. Não tem um menino doce e terno ao colo da Mãe, mas um cadáver rasgado e frio no regaço doloroso da Dolorosa.
A Páscoa não tem a ternura do Natal.
Num tempo em que a infância é um bem cada vez mais escasso e mais ameaçado e em risco, faz-nos bem, creio, olhar a infância do Menino de Maria e José, e vê-lO crescido de 3, 5, 7, 10, doze anos. Vê-lo menino e rei, Deus e homem.
Anualmente, nós, Carmelitas portugueses, vamos como peregrinos ao Santuário do Menino Jesus para ajoelhar e rezar, para vê-lo e saudá-lO, pedir-Lhe e agradecer-Lhe, louvá-lO e prometer continuar a correr o carreiro da fé.
Recordam-nos os Estatutos da Confraria do Menino Jesus de Praga — quem em Viana não existe, embora existam muitos devotos — que o segundo Domingo do Tempo Comum lhe seja dedicado.
Agora que terminaram as festas natalícias é o que aqui fazemos. Contemplamos e escutamos mais uma vez a Santa Infância de Jesus pedindo-Lhe que nos abençoe, abençoe as nossas crianças e nos ajude a ver e a valorizar esperançosamente a infância toda ela frágil.
Se as crianças têm muito ou pouco que dizer-nos nós não sabemos. Porque as não deixamos falar, não queremos saber o que pensam em pequenino. Se ouvirem já não está mal, pensamos. Sossegadas na net é que estão bem, julgamos. Ou melhor, estamos bem ainda que elas estejam em risco. Mas ficamos descansados. Por isso nunca lhes perguntamos. E o que é bem pior elas raramente fazem parte dos assuntos das nossas homilias. (Que coisas poderíamos dizer directamente às três ou quatro crianças que se sentam nas Missas da nossa Igreja do Carmo?)
Saber olhar as crianças, propor-se cuidar e saber cuidar delas obriga-nos a olhar para Jesus menino e para o fazer de Jesus com elas.
Enquanto menino foi inteiramente menino. Gostava dos pais, da bola, das brincadeiras, dos amigos, de rezar, de Deus a quem aprendeu a chamar Abbá, Papá.
Quando crescido e assumido como Messias, colocou sabiamente as crianças no centro das suas atenções. Nós, porém, nós os homens e mulheres do século XXI, herdamos esse saber rançoso dos contemporâneos de Jesus que impede que elas se aproximem do Senhor, que as afague, lhes fale e sorria.
Nós não sabemos pô-las no meio de nós, no centro das nossas assembleias cristãs, dos nossos cuidados espirituais e da amizade com Jesus, não sabemos deixá-las falar e falar com elas e falar delas. Nós somos tão esquecidos, que até já esquecemos como era bom dormir muito, correr e transpirar muito, inventar histórias de mundos novos e impossíveis com reis e princesas de encantar, já esquecemos como é bom comer a fatia maior do bolo, ir à catequese, falar ao Amigo, e ouvir histórias do Primeiro e Segundo Testamentos, e muitas outras mais coisas assim sem jeito para gente de grande saberes e maiores dores de cabeça.
Jesus sabia perder tempo com as crianças. Ainda que cansado, Ele não as apartava; mas as chamava para si a fim de nos ensinar que elas é que são o verdadeiro modelo para os seus discípulos.
Sim, também hoje as crianças são impedidas de chegar a Jesus! Não queremos que elas vão, que talvez elas nos obriguem a ir ter com Ele, e com elas aprender a gostar dEle!
Que chatice, haveria de ser lindo!
Olhando as nossas crianças é impossível não ver Deus feito pequenino, pequenino, pequenino. Deus abaixado e rebaixado para nosso encanto e felicidade, a dizer-nos que sempre podemos crescer em estatura e em sabedoria, em graça, amor e santidade.

Chama do Carmo I NS 93 I Janeiro 16, 2011

1 comentário:

Julieta Palma disse...

Como é verdade o que é afirmado sobre as nossas crianças: não tem lugar de destaque e raramente lhe concedemos "tempo de antena". São simples demais para que queiramos perder tempo com os seus pensamentos e opiniões!
Mas não são só os pequenitos a quem amamos sinceramente e a quem sinceramente queremos ver quietos e calados. Há outros que silenciamos pela sua excessiva simplicidade: os menos cultos, os velhos... eu diria, os simples! Somos geralmente muito doutores para perdermos o nosso tempo com simplicidades ou trivialidades. Achamos sempre (porque nos consideramos bons) que os nossos pensamentos e contributos é que são válidos. Sabemos tudo e por isso, a simplicidade de raciocino é-nos despresivel. Entendemos tudo e, quando não entendemos, a limitação nunca é nossa: os Padres não se explicam como deviam, os textos sagrados tem uma linguagem desadequada à nossa pseudomodernidade... ousamos até propor que se re-escrevam os textos bliblicos (que ignorância arrogante!)... sim, temos que os traduzir para uma linguagem mais tecnológica (?!?!?!)... Que mais veremos?
E neste vai e vem de doutas dissertações, os simples, efectivamente não tem grande lugar. São um pouco como as crianças, contentam-se com pouco e só sabem falar do que lhes vai na alma!

Dá vontade de sacudir estas cabeças tão inteligentes e rebuscadas e fazê-las olhar para aqueles a quem normalmente colocam num patamar abaixo do seu para aprenderem com eles o essencial da vida... para com eles aprenderem que não é preciso saber muito, compreender tudo. Já alguém dizia que o importante é amar muito. Fundamental é aprender com Maria a "guardar tudo no coração"; e, com esta atitude descobrir a beleza e o conforto de colocar-se confiadamente no colo do Pai. Fazer o exercício de confiar no Senhor, pedindo-Lhe que nos ajude a aceitar a Sua vontade para as nossas vidas, sobretudo quando não conseguimos perceber muito bem qual é o Seu plano de Felicidade para a nossa existência.

É óbvio que não estou a construir a defesa da ignorância. Uma boa cultura religiosa é fundamental para que a fé seja esclarecida e bem fundamentada. Quanto a isto, não tenho qualquer dúvida.
Mas, também não é menos verdade que o Amor autentico, não pede muitas explicações, nem tem necessidade de grandes chaves de leitura. Vejamos muitos dos nossos Santos; gente simples que, na sua simplicidade de coração, foi capaz de se deixar fascinar pela ternura de um Deus que se fez Homem para connosco trilhar os caminhos da vida. Gente que como Maria foi capaz de dizer "Sim" mesmo quando não conseguia encontrar respostas para os seus questionamentos. Homens e mulheres (com capacidades intelectuais muito diversas) que perceberam que o caminho mais simples para viver de e com Deus era simplesmente tentar corresponder ao Seu Infinito Amor por todos os Homens.
Isto sim é o essencial! Como fundamental é perceber que a Eucaristia não tem mais ou menos valor para o crescimento da nossa vida espiritual se for mais ou menos mexida, mais ou menos cantada, mais ou menos apelativa aos nossos sentidos (já hiper-estimulados e por isso cada vez mais insaciáveis). Importante é descobrir o manancial de Graça que dela vem porque nela celebramos a razão maior da nossa fé: Deus que se fez Homem e que na Sua Humanidade foi capaz de sofrer até à mote para que com Ele e pela Sua Ressurreição nos tornássemos criaturas novas.

Entendo eu plenamente tido isto?
Não! É grande demais para que os meus pobres neurónios o consigam descodificar!
E, acredito eu em tudo isto?
Sim! Pela Graça de Deus! Porque na minha oração Lhe peço o Dom da Fé... porque sempre Lhe peço que me dê um coração livre e simples para aceitar o que não entendo agora... no hoje desta minha existência repleta de limitações.
Mas atenção, sei que um dia irei entender tudo porque hoje "vemos como num espelho mas um dia veremos face a face"!