domingo, 3 de abril de 2011

Reflexão sobre o documento Repensar a Pastoral na Igreja em Portugal


Na tarde de 5 de Fevereiro, quando a Igreja se preparava para celebrar o V Domingo do Tempo Comum, os fiéis leigos da Comunidade Carmelita em Viana do Castelo, reuniram-se, sob a coordenação do Prior da Comunidade – Frei João Costa, para responder ao desafio lançado pela Conferência Episcopal Portuguesa, em Abril último, que visa uma reflexão sobre a Pastoral da Igreja.
Efectivamente, Deus está presente na sua Igreja!
Reflectir sobre a realidade pastoral da Igreja, num Domingo onde na Liturgia da Palavra a própria Igreja apresenta diante de nós dois dos maiores desafios colocados por Jesus: “Vós sois o sal da terra; Vós sois a luz do mundo” é , sem dúvida, sinal inequívoco de que Deus faz Seu o nosso caminho, mesmo quando, distraídos, nem damos por Ele.
Não raro nos deparamos com afirmações pouco abonatórias da sociedade actual: “está tudo perdido”, “já não há valores como antigamente”, “isto não tem concerto”. Um sem fim de nuvens negras que, por vezes, nos impedem de ver os raios de sol que tentam penetrá-las, tornando-as um pouco menos ameaçadoras. É certo que vivemos numa sociedade secularizada, pautada pelas dinâmicas alucinantes do consumismo e do sensacionalismo. Uma sociedade onde tudo acontece no agora da história, onde o imediatismo marca o ritmo, sem deixar espaço à reflexão e muito menos à interioridade, como direito inalienável de todos os seres humanos. Uma sociedade que vai perdendo o pé porque desvaloriza a sua raiz, o lugar onde nasce, cresce, e onde deveria integrar e treinar os valores que lhe dão corpo e sentido. Falamos da família!
Os tão apregoados avanços científicos e tecnológicos fomentam, hoje mais do que nunca, a ideia de que o ser humano é capaz de tudo compreender e explicar, envolvendo a sociedade num clima racionalista, pseudo-securizante. Uma sociedade que na sua falsa segurança, nega precisar de Deus e da Igreja, confinando a realidade espiritual para o interior das paredes das sacristias e para ritos cada vez mais intimistas, num quadro marcadamente individualista, onde a comunidade vê a sua identidade diluída numa massa sem nome, onde o relativismo é a lei que a todos (des)orienta. Somos uma sociedade que nega Deus, mas cujos membros não conseguem calar a sua natureza espiritual. Uma sociedade que O vai procurando por caminhos mui-tas vezes tortuosos e quase sempre duvidosos. Por certo, não estaremos longe da verdade se afirmar-mos que vivemos numa sociedade pós-cristã que julga ter-se libertado do que considerava reducionista da sua natureza (leia-se Deus e a Sua Igreja) e ainda não percebeu que está perdida, rodopiando num círculo frenético que não conduz a coisa alguma.
Paradoxalmente, nesta sociedade, quase que perturbada no seu existir, surgem realidades extraordinariamente positivas: raios de sol, sinais do Deus eternamente presente e não permeável a actos de rejeição mais ou menos organizados. Assim:
– Facilmente percebemos como a sociedade é solidária e voluntariosa, sobretudo em momentos de crise evidente.
– Muitos são os que reencontram os seus caminhos com os de Deus, voltando a integrar a sua Comunidade Eclesial, agora de uma forma mais consciente e comprometida, revelando uma maior permeabilidade à acção do Espírito Santo.
– Ainda que menores, em número de membros, verifica-se que as comunidades cristãs são mais autênticas no seu espírito de comunhão, e que o seu testemunho é mais consistente e consequente.
E, se a sociedade se vai revelando também nestes raios de esperança, enquanto realidade plural e por isso com profundo potencial de fecundidade, deve-o a todos aqueles que lhe dão corpo: a todos os cristãos que se querem cada vez mais identificados com o Jesus Cristo em quem põem a sua confiança.
Nós, leigos, sentimos uma maior necessidade de formação, para que a nossa fé seja esclarecida e consequentemente, cada vez mais enraizada no essencial. Precisamos de ser mais autênticos e humildes no nosso testemunho, cumprindo em cada dia a missão para a qual Jesus nos destinou: “Sede minhas testemunhas”, colocai nas vossas vidas as “bem-aventuranças do Reino” para que o projecto de felicidade que proponho a cada ser humano seja uma realidade e não uma vã filosofia de vida; “sede alegres” porque sabeis que Deus vos ama!
Precisamos também de uma maior disponibilidade dos nossos Padres para nos orientarem nestes caminhos de Deus. É imperioso que redes-cubramos a riqueza da direcção espiritual e de uma vivência cada vez mais autêntica dos Sacramentos.
Ainda que aparentemente o negue a nossa sociedade está sedenta de Deus, de sinais da Sua presença… de cristãos que o sejam de verdade, e que sejam capazes de ousar viver a sua vida com autenticidade de Filhos de Deus.
Esta sociedade individualista, e portanto, infeliz, precisa de gente que seja capaz de acolher, de dar atenção, que não tenha medo da proximidade do outro, que seja capaz de se compadecer; gente que encarnou o Evangelho de Jesus Cristo nas suas vidas e é capaz de amar o outro, de coração aberto e sem reservas, numa atitude permanente de serviço aos demais. Como afirmou recentemente o nosso Bispo – D. Anacleto Oliveira: “Os cristãos em geral são chamados a abrir os braços e a acolher tantos que precisam de vida e de um coração que os ame à maneira de Jesus”.
Diríamos, em resumo, que a sociedade actual espera/deseja que os cristãos sejam capazes de lhes dar Jesus Cristo! E, encontrá-lO-ão quando, como diz a velha cantiga, nos amarmos como Ele amou, sonharmos como Jesus sonhou, sentirmos como Jesus sentiu, pensarmos como Jesus pensou, sorrirmos como Jesus sorriu; em suma, vivermos como Jesus viveu!
Também na Igreja se vislumbram sinais de esperança e da presença actuante de Jesus Cristo no seu seio. São forte exemplo disto, o flores-cimento dos movimentos eclesiais que evidenciam múltiplos carismas, e assim ajudam os cristãos a viver a sua fé de forma mais autêntica, partindo das suas realidades contextuais e até dos seus traços de personalidade. São uma diversidade que enriquece a Igreja e nos faz mais conscientes de que a Salvação de Deus é para todos.
Um outro aspecto muito positivo é o acesso mais facilitado à Sagrada Escritura, onde a escuta da Palavra assume um papel fundamental no crescimento das comunidades, conduzindo-as à conversão de vida. E, aos convertidos Deus dá-se em alimento na Eucaristia, tornando-os corresponsáveis pelos irmãos numa comunhão que atira para a missão de evangelização de todos os que perderam a paixão pelo Ressuscitado. Nesta dinâmica, emerge uma Igreja ao serviço de todos e não uma Igreja instituição, poderosa, que durante muitos anos impediu que nela fosse visto o rosto do Jesus que “veio para servir e não para ser servido”.
Repensar a Pastoral da Igreja implica necessariamente colocar na ordem do dia a urgência de sermos cristãos autênticos, profundamente enraizados na vida que nos toca viver; mas deixando que Deus incarne e informe a nossa existência. Só assim poderemos ser sal e luz neste mundo insípido e ensombrado por falsas luzes.
Viana do Castelo, 05 de Fevereiro de 2011
Domingo V do Tempo Comum
Chama do Carmo I NS 104 I Abril 3 2011

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