terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

As faces da esperança

A mim, tinham-me pedido que apresentasse a perspectiva da doutrina social da Igreja e da espiritualidade sobre a crise. Não sei se dei algum contributo positivo para o debate mas constatei como a voz da Igreja é ouvida e acreditada nestas matérias. Partilho convosco algumas ideias que me têm povoado a mente nos últimos tempos e que pus em comum nesse forum.
Comecei por apresentar grandes questões que nos permitam alargar o horizonte da reflexão e ir aos fundamentos do fenómeno: O que é que está em crise? Porque é que chegamos à crise? Quais os domínios onde ela mais se nota e onde é que estão as suas raízes? A crise é algo que apenas suportamos ou que acolhemos com paz e naturalidade? E no meio da crise, ou crises, ainda há lugar para a esperança? Que contributo têm os homens e mulheres de fé, membros da Igreja, a dar para esta reflexão? A Igreja possui realmente um corpo doutrinal e uma experiência de vida acumulada que lhe permite ter uma palavra no assunto.
Em primeiro lugar, temos a convicção que a crise acontece porque perdemos valores, referências, sentido da vida, esquecemos Deus como referência suprema que nos permite configurar e hierarquizar valores, critérios, princípios de vida, que nos permite colocar cada coisa no lugar que lhe corresponde. Realmente quando falta Deus, fundamento último da ética e da moral, o homem e as sociedades ficam a um passo da lei da selva, do «salve-se quem puder», da corrupção, dos atropelos à dignidade humana, dos desequilíbrios ecológicos… e de tudo isto temos exemplos abundantes.
Agora, gritamos, alarmamos e apregoamos a crise por todos os lados. Procuramos onde descarregar a insatisfação e revolta perante o ponto a que as coisas chegaram. Penso que esta crise é inevitável porque os padrões de vida que vivemos ou aspiramos atingir são insustentáveis. Pergunto-me senão precisamos mesmo duma certa dose de crise e de critica (que tem a sua raiz etimológica na palavra “crise”) para regressarmos aos fundamentos do real que são a verdade, a justiça, o respeito pela ordem natural das pessoas e das coisas.
O povo crente sempre fez a experiência da crise. Jesus colocou-se e colocou-nos numa situação critica, abalando os falsos fundamentos religiosos e políticos do seu tempo para construir uma nova ordem, uma nova relação das pessoas entre si, com as demais criaturas e com o Criador. Enquanto se está mergulhado na crise seja ela mais de cariz pessoal, espiritual, social ou económica… experimenta-se como desagradável, acarreta grandes lutas e sofrimentos.
O importante é que na crise haja um lugar para a esperança. O que nos parece derrotista e pessimista é a crise sem esperança. A crise purifica, recentra-nos no essencial da beleza e da bondade que dão sabor à vida.
A Igreja, com as suas ramificações nas comunidades cristãs, nas instituições de caridade cristã, na exortação constante à prática do acolhimento e da solidariedade ente vizinhos e famílias, conhece os rostos da crise e esforça-se por a minimizar. Muitas vezes, a Igreja, na sua pobreza de meios e recursos, não consegue corresponder a tanta demanda. Nesses momentos, só pode oferecer a única riqueza que possui: Cristo no meio de nós com as suas fortes razões para acreditar e esperar.
Nas nossas comunidades, podemos escutar, acolher e rezar pelas situações que todos os dias nos batem à porta. Se pudermos dizer olhos nos olhos: «Tem confiança, não desanimes, vamos rezar por ti, hoje vou ter-te presente na eucaristia…» quantas janelas de esperança abrimos com estas palavras! Com a esperança alicerçada em Cristo e nos valores do seu Evangelho, nós podemos ajudar a humanidade a sair das encruzilhadas e enredos em que se envolveu. Podemos pôr-nos a caminhar com os homens e mulheres de boa vontade na procura de novos modelos de vida social, de novos paradigmas económicos e de desenvolvimento que nos permita esperar e acreditar que as travessias dos desertos nos conduzirão à «terra prometida».
P. Joaquim Teixeira, OCD
Provincial


Chama do Carmo I NS 135 I Fevereiro 5 2012

1 comentário:

Anónimo disse...

Felicito o Provincial pela assertividade das suas palavras.
De facto, em nome da crise temos assistido ao atropelamento de direitos fundamentais. Ela é a justificação para tudo e para todos. Porém, não devia ser ela mesma motivo de questionamento e mola impulsionadora da mudança? Como dizia Séneca, "depois de nos precavemos contra o frio, a fome e a sede, tudo o mais não passa de vaidade e excesso." Estamos habituados a muito e nem assim somos, muitas vezes, felizes! Se calhar, é tempo de aprendermos a viver com menos mantendo a esperança de um futuro que será, na medida das nossas capacidades, como Deus determinar.
Ana Margarida