sábado, 17 de novembro de 2012

Muralhas invisíveis?

A expressão «muralhas invisíveis» escutei-a pela primeira vez no passado dia 10 de Novembro. Nesse dia, na Igreja dos Padres da Congregação do Espírito Santo, no Bairro das Ursulinas, aqui em Viana do Castelo, foi a sepultar o Pe Jorge Veríssimo. Eu conhecia-o, mas conhecia-o mal e agora só no céu chegarei a conhecê-lo bem. Presidiu ao funeral o Bispo Emérito de Lamego, D. Jacinto Botelho. Afinal, o defunto era natural daquela diocese e muito ali trabalhara em prol do Seminário e da promoção das vocações ao sacerdócio. Isso testemunhou o sr. D. Jacinto, seu contemporâneo, e até um pouco mais velho que ele. Foi ao bispo que eu ouvi a expressão.
E foi dito mais. Naquela serena homilia foi-nos dito que a obra de promoção vocacional (creio que nos anos pós-conciliares) naquela diocese brotara do coração incansável e da alma apostólica do Pe Jorge. Aquela acção teve verdadeiro mérito que se reflectiu em verdadeiro aumento das vocações.
Com fina pedagogia D. Jacinto explicou o método propagandístico não de todo inovador, julgo eu. Era, porém, algo muito para além da propaganda. Era propaganda, oração, zelo e acompanhamento. Foi tocante.
Na parte da oração e do zelo criou uma corrente de oração e adoração por toda a diocese, tocando a todos, envolvendo a todos, dos pequenos aos graúdos, das catequeses às famílias e aos sacerdotes. Não esqueceu ninguém, nem deixou ninguém fora de tal missão. Criou, inclusive, um movimento a que deu o inesperado nome de Muralhas Invísiveis. A mim surpreendeu-me o nome! E não menos me surpreenderam os sócios: os frágeis, como agora se diz! Isto é, os acamados, doentes incuráveis, os sofredores, os amarrados à cruz em forma de cama! E não é verdade que a estes ainda hoje quase ninguém vê? Não é verdade que mui facilmente eles se elidem do nosso olhar logo que desaparecem dos passeios do nosso convívio? Ora bem, poderá a dor e a doença – mesmo as horrivelmente incuráveis – serem tão estéreis como uma pedra ou um punhado de areia? Um acamado, mesmo que muito isolado da comunidade, perde todo o seu valor, perde utilidade, capacidade de intercessão, de oblação? Não, creio que não. Um doente pertence-nos. É nosso e nós dele, nos sonhos, desejos e necessidades. Um desvalido pode custar-nos muito, mas carregámo-lo no coração e na memória. Cuidámo-lo, visitámo-lo, afagámo-lo, falámos-lhe do mundo. Há muito a aprender de um doente e muito há a agradecer a Deus pelo dom que eles são para nós.
Enfim, tudo isso percebeu o Pe. Jorge. E foi assim que escreveu aos doentes de Lamego e os foi visitando em suas casas e hospitais para lhes propor que nas suas orações rezassem pelas vocações, que nas suas dores semeassem as intenções dos seminários. Chamou a essa tribo sofredora mas em oração o Movimento das Muralhas Invísiveis, querendo dizer, julgo eu, que a invisibilidade que os doentes sofrem é duma fecundidade e duma força ímpares. Eles são forças fecundas e fortes como muralhas que protegem. Um doente pode estar incapacitado para produzir, mas a sua oração amassada em sofrimento é de muito valor para a Igreja e de grande apreço para Deus. Que belo (e eficaz) que os doentes rezem pelos Seminaristas, e que estes, uma vez ordenados para servidores da Igreja, os visitem como sacerdotes portadores do dom da consolação, sacrários da Palavra e da mansidão de Jesus! Sim, sim. Os doentes são comunidade cristã juntamente com os saudáveis. Aliás, desafio a que me digam a oração que mais valor tem: se a do doente se a do saudável. Acertarão talvez se me disserem que a do coração puro e desinteressado.
Estamos a encerrar a Semana dos Seminários. Tudo o que fizermos pelos Seminários e pelos Seminaristas é pela Igreja e por Deus e é sempre pouco. Existe uma semana para tal, mas a semana é apenas o começo e é pouco. Devemos continuar, devemos rezar e cuidar os Seminários porque são de todos. Ali, a Igreja que é mãe, gera irmãos de todos e pais de todos para o serviço de todos.
Não existe Maio sem semana do coração. Em chegando a data não há médico que não recorde a necessidade de exercício físico! E o mesmo se pede para o coração das dioceses, o Seminário. Todos nós deveríamos cuidar da saúde do coração, porque é dali que vem a saúde para o corpo da Igreja. Sobretudo nós que somos saudáveis, que beneficiamos da graça dos sacramentos deveríamos saber construir, já não digo muralhas, mas pontes, que comuniquem a nossa alegria de sermos zelosos cuidadores dos que nos cuidam!

Chama do Carmo I NS 163 I Novembro 18 2012

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