sábado, 30 de novembro de 2013

Os presos são quem bem sabem


Feliz Ano Novo. Rei morto, rei posto; ou dito de uma maneira outra: depois de encerrado um ano cristão, eis-nos de rosto aberto para a novidade de um outro. Com toda a afabilidade só podemos desejar: Feliz ano, feliz ano novo cristão! Eia, pois. Eis-nos de novo em Advento, o tempo de preparação para a celebração do Nascimento do Salvador. Era noite e fez-se luz. E nós não podemos ver bem a Luz sem levemente lhe abrirmos o coração.
Não podemos recebê-lA bem sem A esperarmos, sem ficarmos de vela desejando-A ansiosamente. Por estes dias somos convidados para a alegria. A sério, que somos; e até pode dizer-se que ela se treina, que sem preparação não conseguiremos alegrar-nos convenientemente. Bem-vindos aos treinos até ao dia 24 de Dezembro!
Você pode dizer sem medo de errar que Advento é conversa de padres. Diga-o sem medo, que você acerta. E também se engana. Mas cuidado: As palavras gastam-se e de tanto repeti-las ficam xéxés. Ou, nós por elas.
Advento não é conversa de padres que mais não sabem dizer no mês anterior ao Natal. Não, não é conversa de padres, não. Sim, longe muito longe de ser conversa fiada de padres.
Advento é um estado de alma, de ânimo. Não é conversa de sacristia, é conversa de vida. É conversa para os cansados e resignados, para os que agora dizem: «É tudo tão inseguro, por isso vivamos o dia! Vivamos o dia que já nada permanece, já nada resiste!».
O Advento tem a força dos símbolos porque não tem outra se não a das sementes: a espera, a eterna espera, a força da renovação!
Encurralados por tamanhas ânsias de saída tantas vezes não sabemos que esperar, e de tanto cansarmos perdemos o norte (e o tino) e desistimos, ou o que é pior: dá igual esperar ou não. Porém, durante o tempo do Advento, nós, católicos, submetemo-nos, sobretudo, a um treino de contenção. Despertamos do letargo que nos ata e contemo-nos em tensão, como quem se agacha para se projectar num salto o mais para adiante possível.
Quando os peregrinos partem é sabido que deixam todo o cómodo e não levam muito — sem lhes faltar o cajado, porque a todo o peregrino falta sempre uma parte do caminho e a todo o católico Algo que lhe preencha a tensão da espera. No Advento vamos pela via da contenção e austeridade, pela da conversão e sobriedade, a fim de que quando tivermos o Senhor no meio de nós possamos explodir toda a alegria que nos arde no forno interior das almas.
Advento é o por fazer, e é o impróprio e atulhado que urge esmerar, sem cuja preparação e cuidado jamais o caminho a percorrer é verdadeiramente caminho que traz até nós o Senhor.
Tem ele duas partes: até ao dia 16 de Dezembro somos convidados a acordar para o encontro do Senhor que vem; de 16 ao dia 24 olhamos para a Virgem Mãe, na penumbra, prestes a dar à luz. Como ela se soube preparar que não há ninguém como ela que nos ensine a esperar!
É assim que o Advento é convite para a mesa da espera do Filho de Deus que entra na história. Ali só temos um fito: manter viva a ilusão da espera! Convenhamos que não é este um desafio sedutor. Quem é que hoje quer acordar, sair do torpor, enfrentar o frio das responsabilidades, sair para as ruas e dar testemunho? (Por falar nisso: Quantos da nossa comunidade, compreendendo ou não, responderão ao inquérito do Papa Francisco sobre a família?)
Quem aceita desinstalar-se das suas crenças e das suas rotinas? Quem ousa questionar a sua fé, dizer presente quando há necessidade de defender o Evangelho, os pobres, os sem poder, sem palavra e sem voto? — E olhe que os há, olhe que os há e são mais do que pensa!
A fé não é como ir ao chá das cinco. Mas lá que obriga a acordar da sesta e sair de casa, lá isso obriga! Por que Deus vem, vem sem ser viral no Youtube, sem se anunciar na TV, nem no blog da Chama do Carmo, nem nas grandes pancartas publicitárias. Deus vem, mesmo que tu não acordes nem nenhum dos nossos contemporâneos se erga da cela em que tão a gosto nos enclausuramos! Deus vem mesmo que não julguemos necessário que venha, vem mesmo que a palavra < Deus > já não signifique nada ou já nem seja esperado. Deus vem, mesmo que toda a pressa que corremos nos impeça de ver que Ele já veio, e de que, afinal, seja a pressa da vida um atilho mais que nos ata e enclausura.
E, sim, Deus vem para os crentes que O esperam! Deus vem para os que esperam o Novo!
Eu me confesso míope, o mesmo é que preso no cinzento semi-frio e semi-vazio da vida. Sim, preso. Eu sou preso, mas ainda assim um preso é do tamanho daquilo que espera. E do meu cárcere eu espero este Advento como uma espera confiada. E no meu cárcere eu dou voltas e voltas, e voltas volto a dar ao contrário. Mas espero confiado. Eu confio que Ele virá independentemente do número de voltas que eu dê ora para a direita, ora para a esquerda. Ele virá: é nisso que eu confio. E já sinto os passos dele rua abaixo. A porta está bem fechada, mas eu sei Quem traz a chave que a abre por fora!

Chama do Carmo I NS 205 I Dezembro 01 2013

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