sábado, 22 de fevereiro de 2014

O extraordinário está ao teu alcance!


Perdoar. Aos amigos a amizade, aos inimigos o desprezo. Essa é lei que todos cumprimos com gosto. Essa é a forma antiga de Lei; mas não tão antiga que tenha sido esquecida e ultrapassada. O Evangelho deste domingo abre--nos para uma nova era do relacionamento humano, que ultrapassa esses tais limites usuais que costumam ser impostos entre os seres humanos. É que Jesus convida-nos a viver o amor muito para além das peias e dos critérios humanos. O Primeiro Testamento mandava amar o próximo, porque entendia o amor como algo que se restringia aos da mesma religião e da mesma raça, ou seja, aos amigos. Por isso, se desprezava, como sempre, os inimigos. Nisso não havia distinção com as outras raças e religiões. Mas Jesus não pensou nem ensinou a pensar assim!
O que a seguir contarei é verídico. Passou-se no Canadá há uns anos atrás. É a história de dois vizinhos lavradores e amigos. Um dia o cão de um soltou-se, saltou a cerca e matou o filho de dois anos do vizinho.
O pai do menino morto, angustiado, cortou a comunicação e a relação com o seu vizinho. Os anos seguintes foram de uma atroz e infecunda inimizade.
Até que um certo dia um incêndio arrasou a propriedade do agricultor dono do cão. O incêndio queimou-lhe a propriedade e as alfaias. O lavrador tinha terra mas já não podia lavrá-la: o futuro era negríssimo. Porém, uns dias depois, apercebeu-se que as suas terras tinham sido lavradas e estavam preparadas para a sementeira. Saiu a informar-se da autoria da façanha e soube que a benfeitoria fora do seu inimigo e angustiado vizinho. Então, encheu-se de humildade e foi à sua procura; encontrando-o perguntou-lhe por que o fizera. E obteve como resposta: —Lavrei as tuas terras para que Deus continue vivo!
(Acredite se quiser!)
Sim, se quiser, mas, o certo, é que isto dá que meditar, pois, afinal, o amor cristão, é muito mais que o afecto, é muito mais que a amizade, é perdão e reconciliação, é graça e ressurreição.
No domingo passado falávamos entre nós de Lei e Mandamentos.
E ouvíamos Jesus comentar as Dez Palavras animando os seus seguidores a superar o espírito da letra e a aprofundá-lo, isto é, a vivê-las desde a sua autêntica dimensão: o amor!
Repare: Jesus não manda nada; jamais Jesus se constituiu como um legislador. Jamais se aproximou de nós com um sólido código de leis numa mão e espada na outra. Sim, Jesus não veio com ameaças! Jesus veio como inspirador, veio animar-nos a viver em plena harmonia com Deus; veio dizer-nos que a harmonia com  todos é possível. Aliás, já dizia o agricultor da história: Para que Deus continue a viver é necessário destruir os muros que nos separam!
Oh, valha-me Deus, pois somos tão cegos! Então, não é que ainda não vimos, ainda não caímos na conta: Deus perdoa! O ofício de Deus é perdoar!
Imagine-se a si mesmo como é, como quem é, oficial do seu ofício qualquer que seja. Imagine-se a si mesmo trabalhando devotamente com zelo. Você é bom trabalhador(a), não é? Pois, Deus também o é. E o ofício de Deus é perdoar: isso é o que ele faz bem e com gosto! Perdoar!
E você, perdoa?
Você consegue amar e perdoar os seus inimigos, aqueles que o(a) ferem com palavras e acções?
Para nós, cristãos, perdoar, é mais que um verbo que encontramos nos livros de auto-ajuda.
(«Perdoai e sereis perdoados», disse.)
Perdoar é o nosso saber e o nosso ofício. Enfim, em algo nos podemos parecer a Deus: no perdão! Os seguidores de Jesus deveriam saber perdoar sem reservas e sem condições. E seríamos como Jesus, parecidos com Ele, vestindo a sua camisola!
Por que carregas o peso do ódio um dia atrás doutro? Porque te amarras a histórias e a pessoas que odeias? Porque te cansas quando poderias perdoar mansamente?
Perdoar inteiramente pode até nem fazer bem algum à pessoa que é odiada, mas liberta aquele que odeia! Dá paz e libera de fardos duríssimos!
Perdoar é difícil, mesmo sabendo que (me) liberta. Pelo que só é possível perdoar amando, e o amor, segundo Jesus, é mais que um sentimento de pacificação; é uma decisão de querer bem. Amar ao estilo de Jesus é querer o bem-estar dos próximos e dos longínquos, dos amigos e dos inimigos, é desejo sincero de que estejam bem, de que nada de mau lhes suceda, e, já agora, que mudem de vida e de coração.
Amar é um acto sublime. O habitual entre nós é que amemos quem nos ame, visto que quem meus filhos beija minha boca adoça. E como não há dar sem dar, naturalmente, eu dou aos que me dão, e já isso é grande. Mas Jesus ensina mais, sugere--nos que voemos mais alto. Pede-nos que sejamos extraordinários: que sejamos como o Pai que faz nascer o sol para os bons e para os maus!
O extraordinário é o estilo de Deus: Ele perdoa a todos, espera que perdoemos a todos, que soframos a injustiça, oremos pelos que nos perseguem, amemos os inimigos, demos com generosidade. A nossa marca d’água é o extraordinário: sermos como Jesus, o homem mais extraordinário que só soube ser para os outros. Eis a nossa distinção: (Fazer o bem e) perdoar sem olhar a quem! É difícil, mas é um treino que vale a pena. E como nunca se fizeram campeões treinando só ao fim de semana, olhe, isso lhe peço, treine com afinco, pois não lhe faltarão ocasiões!

Chama do Carmo I NS 217 I Fevereiro 23 2014

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